O que me faz prosseguir em conhecer

TEMA 3: TATO

07/03/2015 01:41

Texto: Marcos 5: 21-24; 25-34; 35-43

 

Introdução:

            Nessa mensagem vamos focar o sentido do tato. O tato é o sentido que exige proximidade, que não permite nenhuma teorização que se possa fazer à distancia dos olhares ou da audição. Tocar é comprometer-se com o corpo do outro e com tudo aquilo que ele representa: dores, alegrias, prazeres, misérias, vida e morte. Vamos ver como Jesus toca e é tocado por pessoas em circunstancias de morte e falta de dignidade. Pelo toque, o Mestre dos sentidos recobra a uns vida e, a todos, dignidade.

            Em primeiro lugar vamos nos deter sobre o episódio da mulher com fluxo de sangue (Marcos 5: 25-34) e, na próxima etapa, partilharemos o drama vivido por um dirigente de certa sinagoga que viu sua filha adoecer e morrer (Marcos 5: 21-14. 35-43). Nos dois episódios, porém, veremos que a dignidade e a vida chegam àquelas pessoas pelo toque, pela radical proximidade com Jesus. Quando aqueles corpos se encontram no compromisso afetivo representado pelo toque, uma novidade de vida surge para todos.

 

Parte I – Jesus sente o toque da Mulher do fluxo de sangue – Marcos 5: 25-34

  1. O sofrimento e a indiferença

            E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia. Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava (Marcos 5: 25-26).

            Uma grande multidão o segue, empurrando e procurando, inquietamente, ver o que Jesus fará. Ao longo do caminho, Jesus volta-se de repente e pergunta: “Quem me tocou?” A questão traz uma resposta mal-humorada dos discípulos. Afinal de contas há muitos toques no meio de uma grande multidão.

            Jesus no entanto, continua olhando em volta para ver quem tocara em suas vestes. Então vem uma mulher e se prostra diante dele. Tremendo de medo, ela conta toda a sua história. Durante doze anos vinha sofrendo de uma doença feminina crônica, piorando cada vez mais. Recursos humanos de nada adiantaram e, agora, não havia mais dinheiro. No auge de seus problemas físicos, sua hemorragia a torna, a ela e a tudo que toca, impuros.

            Na cultura e religião dos judeus nos dias de Jesus, uma mulher com fluxo de sangue era impura. Isso nos revela Levítico 15:19. “Quando uma mulher tem fluxo de sangue que sai do corpo, a impureza da sua menstruação durará sete dias, e quem nela tocar ficará imputo até a tarde”. Se levarmos em consideração o tempo que ela estava com aquela hemorragia entenderemos melhor a condição de abandono que ela vinha experimentando, sobretudo nos últimos doze anos. Naquele momento estava ali uma mulher condenada ao sofrimento e a indiferença que sua própria religião e cultura tinham destinado a ela. Aquela realidade, porém, estava próxima de seu fim, um toque, e tudo o que ele representa, iria mudar a sorte daquela mulher.

  1. Atraída pelo ouvir, mas curada por um toque.

            Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele,  no meio da multidão, e tocou em seu manto, porque pensava: “Se eu tão somente tocar em seu manto, ficarei curada” (Marcos 5: 27-29).

            “Quando ouviu falar de Jesus”. A cura daquela mulher começou a acontecer quando ela ouviu falar do Mestre. Isso se deu, porém, a certa distancia. Foi, contudo, no encontro dos corpos, no toque que transmite afeto, que sua vida foi plenamente restaurada. Aqui há uma lição para nós. Não adianta apostarmos todos os nossos esforços na comunicação verbal do Evangelho. Isso certamente é importante, mas como inicio de um processo que precisa ganhar a profundidade do afeto e isso só acontece quando nos dispomos à proximidade com as pessoas, sobretudo com aquelas que estão postas à margem da vida. Ao ouvir contar sobre Jesus, ela sentiu-se atraída por ele; essa atração a conduziu a tocá-lo, mas o toque só aconteceu porque Jesus estava disponível.

            Foi a mulher quem instaurou o contato com o corpo são de Jesus. Sua fé se traduziu num movimento irresistível de encontro afetivo e curador. Do corpo de Jesus, isto é, de sua disponibilidade ao afeto e à superação dos preconceitos, emana o dinamismo salvífico capaz de restaurar as pessoas. Uma coisa já podemos concluir a partir deste texto: a fé que salva acontece não somente no domínio racional de certos conteúdos doutrinários, mas no movimento afetivo dos corpos (dos discípulos com o Mestre) que se tocam e se disponibilizam ao amor que tudo supera. 

  1. A Fé – O toque – A cura

            Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre de seu sofrimento. No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: “Quem tocou em meu manto?”. Responderam os seus discípulos: “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’”. Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem tinha feito aquilo. Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade. Então Ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento” (Marcos 5: 29-34).

            Parecia que tudo já havia sido feito: “Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento”. Porém, o desfecho daquele encontro profundo e afetivo ainda não tinha acontecido: “No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: ‘Quem tocou em meu manto?’”. Jesus sentiu aquele toque. Ele percebeu que algo definitivo havia acontecido em meio àquela multidão que o comprimia. Embora os discípulos estranhassem a pergunta do Mestre sobre quem o havia tocado, este não confundia os atropelos de uma multidão com um toque de quem carecia de atenção e afeto.

            Aquela mulher, impedida de ser em sua própria identidade feminina e, além disso, marginalizada pelas leis e costumes de seu povo, não podia ser deixada no anonimato: “Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem havia feito aquilo. Então a mulher, sabendo  o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade”. Ela cai aos pés do Mestre e se ergue como uma nova mulher. Jesus a chama de filha, invertendo de forma radical sua condição de exclusão, marginalização e esterilidade. Depois de um toque, ele restabelece a sua dignidade. Isso é salvação. “Vá em paz e fique livre do seu sofrimento.”

            Por que tudo isso por causa de uma pobre mulher como essa? Ajudá-la não é como ajudar a Jairo. Ela está sozinha, é uma excluída. Jairo é um homem de posição. Após doze anos, a mulher sem nome poderia ter esperado mais alguns minutos. Agora que ela está curada, por que Jesus não atende a filha de Jairo e fala com essa mulher mais tarde?

            Jesus porém, não se apressa. Esse é o momento para ensinar a mulher e toda a multidão. Pode ser que Jairo aprenda que Jesus se preocupa com outras “filhas” tanto com sua filhinha.

            Através do toque, essa mulher recebe muito mais do que buscava. Ao confirmar publicamente sua cura física, ele a livra de seus temores ocultos e prepara o terreno para que seja aceita na comunidade. Ela chegou a pensar que não era ninguém; Jesus lhe devolve a dignidade. Ele a valoriza como pessoa.

 

Parte II – Jesus oferece o toque de cura a filha de Jairo – (Marcos 5: 21-24  /  5: 35-43)

  1. Expectativas daqueles que se aproximam de Jesus

            Então chegou ali um dos dirigentes da sinagoga, chamado Jairo. Vendo Jesus, prostrou-se aos seus pés e lhe implorou insistentemente: “Minha filhinha está morrendo! Vem, por favor, e impõe as mãos sobre ela” (Marcos 5: 22-23).

            A expectativa de Jairo em relação a Jesus é uma expectativa física, proporcionada pelo toque. “Vem, por favor, e impõe as mãos sobre ela (sua filha)”. Nada menos do que isso seria o suficiente para ele. Nenhuma pregação, nenhum estudo, nenhum texto. Nada menos do que um toque, um afeto, um cuidado, uma salvação.

            Jairo, naquele momento de dor, em que geralmente as pessoas demonstram aquilo que verdadeiramente são, se humilha, se prostra. Seu gesto mostra que ele necessitava do toque de Jesus.

            Não existe nada que se compare ao toque de Jesus em nossa vida. Seu toque traz mudança, transformação, renovo. Nesse relacionamento com o Mestre, é indescritível a experiência de ser tocado por Ele.

 

  1. Jesus tem poder para curar e salvar

            Minha filhinha está morrendo! Vem, por favor, e impõe as mãos sobre ela, para que seja curada e que viva (Marcos 5:23).

            Este texto do evangelho de Marcos foi escrito em grego. A palavra usada no pedido que aquele pai fez a Jesus por sua filha,  que na tradução que estamos utilizando (NVI) aparece como seja curada, pode também ser traduzida como seja salva.

            Curar e salvar tem uma mesma origem, ambas estão relacionadas ao principio terapêutico do cuidado, que era inerente ao ministério do Mestre de Nazaré. Ele mesmo diz: “Não são os que tem saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores” (Marcos 2:17). Jesus, ao falar da natureza do seu ministério, encontra na ação terapêutica a melhor comparação. Ele é médico, sua atuação tem alcance em todas as dimensões das vida, seu método é o de afeto que se realiza, sobretudo, pelo toque. Nesse sentido, todas as expressões (tato, paladar, olfato, audição e visão) de Jesus são terapêuticas.

            Para cuidar e salvar as pessoas, Jesus não se escondia atrás de uma mesa e receituários, nem tampouco atrás de pregações, estudos e textos. Antes, colocava-se numa relação de proximidade onde as palavras ditas pudessem ser confirmadas pelo cuidado dispensado. Aqui encontramos um principio para nossa vida cristã: O Evangelho deve ser comunicado com as mesmas ênfases e métodos. Não podemos reduzir à palavra aquilo que Jesus anunciou com a vida.

  1. Um toque que vence a morte

            Enquanto Jesus ainda estava falando, chegaram algumas pessoas da casa de Jairo, o dirigente da sinagoga. “Sua filha morreu”, disseram eles. “Não precisa mais incomodar o Mestre” (...) ordenou que eles saíssem, tomou consigo o pai e a mãe da criança e os discípulos que estavam com ele, e entrou onde se encontrava a criança. Tomou-a pela mão e lhe disse: “Talita cumi!”, que significa “menina, eu lhe ordeno, levante-se!”. Imediatamente a menina, que tinha doze anos de idade, levantou-se e começou a andar. Isso os deixou atônitos. Ele deu ordens expressas para que não dissessem nada a ninguém e mandou que dessem a ela alguma coisa para comer (Marcos 5:35; 40-43).

            A notícia que acabara de chegar era a pior, a que mais espanta nossa frágil vida: “Sua filha morreu”. O que Jairo mais temia aconteceu. Ele sabia que ela estava morrendo quando veio a Jesus, esperando que ele pudesse chegar a tempo de curá-la. Mas agora esta tudo perdido, pois a morte é o fim.

            A morte da filha de Jairo acontece num momento em que a vida para ela estava apenas começando. A menina tinha 12 anos. Era a idade em que as meninas saiam de sua condição infantil para a estrutura de uma mulher. Agora, a amada filha do chefe da sinagoga poderia se casar, e então cumprir sua vocação de ser mãe (como compreendia a sociedade de sua época). Porém, tudo havia se perdido com a demora do Mestre. Quando o ressentimento começa a aparecer, Jesus interrompe seus pensamentos, dizendo-lhe que ignore o que disseram os homens. “Não temas, crê somente” . Nem mesmo a morte deveria atrapalhar a confiança de Jairo na habilidade de Jesus em confortar crises com o poder do seu toque.

Nesse contexto de morte, a vida chega pelas mãos estendidas e cuidadosas de Jesus: “Tomou-a pela mão e lhe disse...”. O que ele disse qualquer pessoa poderia ter dito, mas a forma como disse é que realiza a restauração da saúde da menina. Isso mesmo! O que ninguém faria é o que Jesus fez: tocar num corpo morto e, por isso, impuro.

            O que estava acontecendo naquele quarto cheio de silencio e de tristeza era mais do que a simples recitação de palavras. Antes de dizer qualquer coisa, Jesus rompe, pelo toque revelador de afeto, o abismo que havia entre ele e a menina. Para a religião e a cultura dos dias do Mestre de Nazaré, um morto não poderia ser tocado; se alguém o fizesse, ficaria impuro. “Quem tocar num cadáver humano ficará impuro durante sete dias” (Números 19:11). Jesus tocando-a, salva-a!

            O encontro com Jesus levantou a menina do abatimento da impureza e da morte para tomar seu lugar na casa. Depois de lhe chamar à vida, o Mestre lhe coloca à mesa. “Mandou que dessem a ela alguma coisa para comer.” A ação cuidadosa e curadora de Jesus representada por aquele “tomar nas mãos da menina” encerra-se quando ela pode voltar ao convívio digno entre seus familiares. A ação cristã que queira ser continuadora do ministério do Mestre de Nazaré precisará operar, pelo relacionamento afetivo, a dignidade perdida de homens e mulheres que se encontram encerrados em situações de morte e preconceito.

 

 

 

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