O que me faz prosseguir em conhecer

TEMA 2: AUDIÇÃO

07/03/2015 01:49

Texto: Marcos 10: 46-52 e João 10: 1-21

 

Introdução:

            Há quem diga que saber ouvir é uma virtude. Virtude essa que poucos possuem. Escutar, significa deixar que as palavras sumam, restando apenas o pesado silencio que denuncia o quanto fugimos de nós mesmos, escondendo-nos na tagarelice do dia a dia.

            Silenciar os lábios é uma das coisas mais difíceis para homens e mulheres que vivem em lugares (trabalho, família, escola, igreja...) tão barulhentos como os nossos. Estamos tão acostumados aos muitos ruídos que desaprendemos a arte de silenciar os lábios, para ouvir com mais clareza o que nos diz o coração.

Entre todos os sentidos, um dos mais importantes para a construção de relacionamentos profundos e mutuamente respeitosos é a audição. Conhecer o outro que está diante de nós é uma tarefa que só conseguiremos realizar quando nos dispomos a ouvi-lo cuidadosamente. Quando ouvimos, criamos um espaço em nós para que o outro seja acolhido, encontrando uma morada segura e acolhedora.

            Nesta mensagem abordaremos dois textos: O primeiro é o episódio em que o cego Bartimeu grita para que o Filho de Davi tivesse compaixão dele. Percebemos que mesmo em meio à multidão, Jesus tem os ouvidos sensíveis ao grito de misericórdia proferido por Bartimeu. No segundo momento, veremos sobre a relação que existe entre pastor e ovelha e o quanto esse sentido é importante nessa relação.

 

I parte: Jesus e o cego de Jericó – Marcos 10: 46-52

  1. A diferença entre ouvir ruídos e ouvir palavras

            “Então chegaram a Jericó. Quando Jesus e seus discípulos, juntamente com uma grande multidão, estavam saindo da cidade, o filho de Timeu, Bartimeu, que era cego, estava sentado a beira do caminho, pedindo esmolas. Quando ouviu que era Jesus de Nazaré, começou a gritar: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” (Marcos 10: 46,47).

            Jesus estava imerso em seu ministério, cercado de pessoas por todos os lados. Para onde ele se dirigia, uma multidão o acompanhava. As motivações dessa multidão eram as mais variadas... De qualquer forma, o barulho produzido por toda aquela gente que seguia o Mestre dia e noite devia ser ensurdecedor. Os riscos de Jesus se estressar em meio a tanto ruído era imenso. Da mesma forma que o risco de não escutar nitidamente ninguém à sua volta, por causa de tão grande algazarra, estava continuamente próximo dele.

            Numa vida tão voltada a ritmos alucinantes onde o barulho é elemento presente em todas as nossas atividades, o risco de ficarmos surdos com relação às coisas sensíveis que estão a nossa volta é muito grande. Cercados pelas buzinas do transito de nossas cidades, pelos sons dos muitos equipamentos de nossos lugares de trabalho, dos muitos instrumentos e amplificadores de nossas igrejas, vamos perdendo a capacidade de ouvir o som da natureza, o suspiro de nossos companheiros de trabalho, as dores e alegrias de nossos irmãos e irmãs de caminhada. Porém, podemos aprender com Jesus a diferença que há entre ruídos e palavras, entre os barulhos supérfluos e os sons realmente importantes.

            Segundo nosso texto, as palavras que Jesus ouviu daquele homem chamado Bartimeu eram carregadas de detalhes que podem passar despercebidos aos nossos olhares, mas que fazem enorme diferença para uma compreensão mais aprofundada do que estava acontecendo. Segundo o livro de Josué 6:26, Jericó era indigna de cuidado, pesando ela maldição para quem lhe desse atenção. Naquela ocasião, Josué pronunciou este juramento solene: “Maldito seja diante do Senhor o homem que reconstruir a cidade de Jericó. Ao preço de seu filho mais velho lançará os alicerces da cidade; ao preço de seu filho mais novo porá suas portas!”. Naquela cidade “amaldiçoada” surge uma voz entre tantas. De alguém considerado igualmente impuro por sua condição física. Bartimeu era um impuro que habitava uma cidade amaldiçoada. Não bastasse ser morador de Jericó que por si só já era uma cidade amaldiçoada, Bartimeu também era vitima do preconceito da sociedade. Alguém sem status. Um homem “invisível” para a sociedade.

            Da boca daquele homem cego e mendigo surge uma declaração de fé que rompe toda aquela algazarra, chegando nítida nos ouvidos de Jesus: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”. Não nos impressiona tanto que alguém na condição de Bartimeu clame por Jesus; o que mais impressiona é que Jesus se detenha para ouvir sua voz. Ao escutar o cego mendigo de nome Bartimeu, Jesus se mostra sensível às vozes que se encontram à margem da vida social e religiosa.

            Essa sensibilidade ainda nos constrange hoje em dia. Não é de se espantar que a todo instante clamemos pela misericórdia do Filho de Davi. Até mesmo os que não são seus discípulos, quando se veem em situações de desespero clamam por essa misericórdia. O impressionante mesmo é o fato de essa misericórdia nos alcançar, mesmo que não sejamos merecedores dela.

 

  1. A insensibilidade do ouvir

            “Muitos o repreendiam para que ficasse quieto, mas ele gritava ainda mais: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”. (Marcos 10:48).

            A reação de alguns discípulos de Jesus, ante aquilo que lhes parecia uma enorme pretensão daquele pobre coitado, reflete tanto os preconceitos de sua época quanto ilumina os nossos preconceitos hoje. Tentar calar as vozes de homens e mulheres que se encontram à margem de nossa sociedade, cultura e religião, continua sendo um procedimento recorrente entre nós, discípulos do Mestre de Nazaré, por mais contraditório que isso seja. Nós, os discípulos, recusamos a ouvir as palavras que mais chamavam a atenção de Jesus! As vezes, temos nossos corações tão tumultuados pelos barulhos de nossos preconceitos, que não conseguimos ouvir os sons daquelas palavras dos filhos de Deus que nós desconhecemos.

            Essa insensibilidade se deve pelo fato de que nós criamos estereótipos que definem o perfil daqueles que serão ouvidos pelo Mestre e dos que podem ter relacionamento com Ele. Esses estereótipos fazem com que a todo instante julguemos o nosso próximo, classificando-os como merecedores ou não da atenção do Mestre. No entanto, Jesus sempre estará sensível ao clamor de todos nós.

  1. Jesus: O homem de coração silenciado e ouvidos atentos

            Jesus parou e disse: “Chamem-no”. E chamaram o cego: “Animo! Levante-se! Ele o está chamando”. Lançando sua capa para o lado, de um salto pôs-se em pé e dirigiu-se a Jesus (Marcos 10: 49-50).

            Jesus era um homem de coração silenciado, de alma despida dos muitos preconceitos da sociedade de sua época; isso lhe permitiu ouvir aquelas palavras (“tem misericórdia de mim”) ditas em meio a tantos ruídos. Só um coração silenciado de preconceitos pode discernir entre palavras e ruídos! As palavras de Bartimeu encontram tanta acolhida nos ouvidos de Jesus, que o evangelista diz que ele “parou”! Imagine o número de pessoas a sua volta, a quantidade de vozes embaralhadas, a expectativa dos adversários esperando um erro do Mestre. Diante deste cenário, Jesus para! Para e cessa as dores daquele homem, sobretudo, as dores geradas pela marginalização que sua condição lhe tinha imposto. Jesus para, mas Bartimeu começa a se mover em direção a uma vida digna!

            Além de Bartimeu, também os discípulos de Jesus fizeram a experiência de se movimentarem a partir daquela parada do Mestre para ouvir as palavras em meio aos ruídos. O Evangelho diz: “Jesus parou e disse: ‘Chamem-no’”. Jesus envolve seus seguidores em seu ministério de restauração da dignidade. Aos discípulos ele diz: “Chamem-no”. Alguns dos que tinham pedido a Bartimeu que se calasse, agora precisam voltar a ele para dizer que o Mestre, o Filho de Davi, o escutou. A nós o Mestre de Nazaré quer falar o mesmo, quer nos colocar na dinâmica de trazer para perto de nós uns tantos que até então temos feito força para deixar distantes. Ele nos diz: “Chamem-nos”. Se ouvirmos a Jesus – Homem de coração silenciado – aprenderemos a ouvir as palavras em meio a tantos ruídos que nos cercam. O resultado poderá ser hoje o mesmo que foi naqueles dias: “Lançando sua capa para o lado, de um salto pôs-se em pé e dirigiu-se a Jesus” (Marcos 10:50).

 

Parte II – A relação entre pastor e ovelha – João 10: 1-21

  1. Pastor e ovelha: Uma relação profunda que se dá pelo ouvir

            Eu lhes asseguro que aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Aquele que entra pela porta é pastor das ovelhas. O porteiro abre-lhe a porta, e as ovelhas ouvem a sua voz. Ele chama as suas ovelhas pelo nome e as leva para fora. Depois de conduzir para fora todas as suas ovelhas, vai adiante delas, e estas o seguem, porque conhecem a sua voz. (João 10: 1-4).

            Muitas vezes julgamos que a relação entre pastor e ovelha é uma relação baseada unicamente na submissão por parte da ovelha que deve estar todo tempo sujeita às ordens do pastor.

            Uma coisa que precisamos verificar no texto que estamos refletindo é se ele realmente faz um apelo para essa relação em que a ovelha é esse ser destinado à simples obediência cega e à tola submissão. Para iluminar a relação pastor/ovelha apresentada no capítulo 10 de João, vale a pena citar um outro texto do mesmo evangelho: “Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu vos tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido” (João 15:15). O relacionamento que Jesus quer ter com seus discípulos – de ontem e de hoje – não é do tipo falar para, mas do tipo falar com. A vida e o ministério do Mestre de Nazaré não se deram numa relação para as pessoas, mas com as pessoas. “Não vos chamo servos, mas amigos”. “O que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido.” Tendo como exemplo essa qualidade das relações de Jesus conosco,  seus discípulos, podemos avaliar melhor o que significa a relação pastor/ovelha.

            Segundo o versículo 3 de João 10, Jesus o bom pastor, “chama suas ovelhas pelo nome”. Ele as conhece, tem com elas uma relação para além das superficialidades que outro tipo de metáfora poderia sugerir (por exemplo, a dos bois e boiadeiros, em que os animais são tocados aos bandos sem nenhuma individualidade), Na relação que Jesus pretende manter com seus discípulos e discípulas, exemplificada na parábola antes mencionada, a individualidade de seus seguidores está preservada, o desejo de cada um deles é afirmado. Ele conhece os nomes de cada um, ou seja, reconhece a individualidade dos seus seguidores.

            O seguimento de Jesus é antes de tudo uma relação de profundidade que se fortalece na dinâmica de ouvir e ser ouvido. Se por um lado o pastor conhece o nome de suas ovelhas (porque as ouve), por outro “as ovelhas ouvem  a sua voz” (João 10:3). A profundidade do que acostumamos chamar de discipulado depende não tanto da quantidade de doutrinas que conseguimos apreender por nossa razão, mas, antes, da disposição de ouvir e ser ouvido pelo Mestre. Também as relações que devemos manter entre nós ovelhas/discípulos, de dentro ou de fora de nossos apriscos (João 10:16), se quiserem profundas, devem contemplar essa dinâmica de escuta cuidadosa e respeitosa do outro.

  1. Mercenário: aquele que não se relaciona, mas explora as ovelhas.

            “Mas nunca seguirão um estranho; na verdade, fugirão dele, porque não reconhecem a voz de estranhos” (João 10:5).

            “O assalariado não é o pastor a quem as ovelhas pertencem. Assim, quando vê que o lobo vem, abandona as ovelhas e foge. Então o lobo atava o rebanho e o dispersa. Ele foge porque é assalariado e não se importa com as ovelhas” (João 10: 12-13).

            Opostamente ao pastor, o Evangelho apresenta a figura do mercenário. Essa figura não se relaciona com as ovelhas, ele as explora! Não há, portanto, uma relação de respeito e cuidado, na qual o outro é conhecido e valorizado naquilo que é. A relação mercenário/ovelha é destinada à superficialidade, não há escuta, não há respeito, só exploração e destruição. O mercenário não quer estar com as pessoas, ele no máximo se volta para elas a fim de se impor. O mercenário quer lucrar em seu contato com as ovelhas, por isso, quanto menos relação e intimidade, melhor. A respeito desse, o profeta diz o seguinte:

            Filho do homem, profetize contra os pastores de Israel! Profetize e diga-lhes: Assim diz o Senhor Soberano, o Senhor: Ai dos pastores de Israel que só cuidam de si mesmos! Acaso os pastores não deveriam cuidar do rebanho? Vocês comem a coalhada, vestem-se de lã e abatem os melhores animais, mas não tomam conta do rebanho. Vocês não fortaleceram a fraca nem curaram a doente nem enfaixaram a ferida. Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as perdidas. Vocês tem dominado sobre elas com dureza e brutalidade. (Ezequiel 34: 2-4).

  1. Seguem porque conhecem a sua voz

             Depois de conduzir para fora todas as ovelhas, vai adiante delas, e estas o seguem, porque conhecem a sua voz. (João 10:4).

            Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; eu dou a minha vida pelas ovelhas. (João 10: 14-15).

            A resposta à voz do pastor que as ovelhas ouvem deve refletir a profundidade dessa relação. Hoje estamos nos acostumando cada vez mais a relacionamentos superficiais, que não causam muitos laços de comprometimento. Essa tendência ao descartável e superficial acaba se mostrando também em nossa relação com Jesus. Nós desenvolvemos uma escuta seletiva que nos permite fazer uma caminhada seletiva, ou seja, ouvimos o Mestre o que queremos para fazer o que queremos. Porém, a relação pastor/ovelha apresentada pelo texto a que nos referimos nos convida a outro estilo de vida: se ouvimos a voz do Mestre queremos também segui-la. “E estas o seguem, porque conhecem a sua voz.”

            O seguimento de Jesus é outro modo de ser no mundo que vivemos. É fazer uma opção de ter toda a vida tomada pela voz daquele que nos conhece pelo nome. Pôr-se no seguimento de Jesus é ingressar numa dinâmica de profundidade tanto na relação com ele quanto nas diversas relações com os companheiros de caminhada. Esse seguimento, porém, só é possível quando efetivamente rompemos as superficialidades que as armadilhas do racionalismo armam a nossa frente. Só há relacionamentos profundos quando toda a nossa existência está comprometida com o outro, seja ele Deus, seja nosso próximo.

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