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RESENHA CRÍTICA: TEXTO DE MIRIAM C. M. RABEL0

28/01/2014 14:48

ENTRE A CASA E A ROÇA: TRAJETÓRIAS DE SOCIALIZAÇÃO  NO CANDOMBLÉ DE HABITANTES DE BAIRROS POPULARES DE SALVADOR

 

            O texto de Miriam Rabelo faz uma abordagem acerca das noções de socialização religiosa, pertencimento familiar e ao lugar de origem, vinculando-os a toda uma condição de religiosidade intrínseca, nesse caso, das religiões afro, especificamente o candomblé e todas as suas implicações na vida das pessoas, participantes vivenciais dessa religiosidade.

            A pesquisadora, por meio de seu trabalho, que se constituiu em entrevistar e conviver com 21 pessoas das mais variadas faixas etárias, conseguiu uma exposição bastante interessante e ao mesmo tempo polêmica sobre as nuances que envolvem todo esse contexto religioso. Por meio dos relatos que cada um dos envolvidos pôde compartilhar, muito se pode observar de toda ritualidade da referida prática religiosa, bem como do aspecto diversificado de cada entidade, subordinadoras dessas pessoas, e de como se deram suas introduções e definições como filhos/as e mães/pais de santo.

            Observamos que as trajetórias da vinculação dessas pessoas à religiosidade se tecem mais por continuidade das experiências religiosas das gerações passadas do que por rupturas com outras tradições.  Essas heranças se mostram de forma muito forte, e em sua maioria vão sendo transmitidas já na infância e adolescência, expondo um contexto de trocas, alianças e disputas, que envolvem os sujeitos, seus familiares, vizinhos, lideranças religiosas e as próprias entidades.

            É interessante notar nos relatos que, na maioria dos casos, há uma tentativa de se romper esses laços, de modo que a criança não tenha a continuidade das influências dessas entidades em suas vidas. Entretanto, todas acabam se curvando à vontade desses seres, que agem de formas autoritárias e opressoras, impondo-lhes várias obrigações que tem que ser cumpridas, sob pena de sofrerem pesadas consequências se não as fizerem.  São verdadeiros castigos, em sua maioria, físicos. Tal imposição nos remete a uma impressão de acorrentamento, ou mesmo de escravidão por parte de tais entidades a essas pessoas.

            Esses castigos são descritos no texto como sendo de diferentes formas, que vão desde enfermidades, fracassos financeiros, pressões psicológicas, mudanças comportamentais – podem virar ladrões ou travestis – podendo chegar até mesmo a morte. Ademais, as entidades tendem a causar situações constrangedoras às pessoas quando essas estão viradas, tais como bebedeiras, promiscuidade, comportamentos violentos e exposições de cunho ridículo. Nesses casos, são expostos o verdadeiro caráter e personalidade desses seres. Tudo isso nos mostra o quanto esses laços são difíceis e perigosos de se romper.

            Podemos observar que a ligação presente entre a religiosidade de matriz africana e o espiritismo de mesa branca também é abordada no texto. Se por um lado existem as diferenças no que diz respeito à ritualidade, isso posto pela ausência de danças nas sessões, que se consistem basicamente em rezas e conversas com as entidades, por outro lado a presenças dessas  – mesmas do candomblé – promove a socialização das pessoas nesse segmento afro.  Diferentemente da ligação com o catolicismo, que se dá por meio do sincretismo religioso – não tão aceito pelo clero, porém tolerado – o que percebemos aqui é como um sentido de ramificação dos espaços de atuação dessas entidades que se revelam nas sessões nas mesas e terminam por conduzi-las – as pessoas – aos terreiros.

            Percebe-se com isso, em todo o texto, que orixás, erês, exus e caboclos, além de participantes da vida dessas pessoas, possuem vontade própria, podendo revelar-se como poderosos aliados, mas somente na medida em que essa aliança coincide com seus próprios desejos. Esses interferem ativamente e, a partir de uma perspectiva própria, sobre a vida dos agentes humanos. Também há no texto a ideia de que, mesmo entre eles, exista uma certa disputa pelo espaço, nesse caso, pela dominação da pessoa.

            Diante do exposto, segundo os relatos das pessoas citadas no texto, não conseguimos visualizar nada de positivo (grifo meu) nas relações entidades/agentes humanos, posto que nos mostram uma situação prisional, sem perspectiva de liberdade plena, estando sempre sujeitas as vontades desses seres. Isso posto, pode ser que não haja um consenso com relação a isso, pois talvez encontremos pessoas que vivam essa religiosidade de forma mais “tranquila e satisfatória”, porém não é esse o caso aqui demonstrado.

Paulo Oliveira

 

Aos que se interessarem, eis aqui o link com o texto completo da autora.

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-85872008000100009&script=sci_arttext

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